Esta saga apesar de carioca, não é exclusividade Fluminense. Trata-se de uma saga gastronômica e de uma estória de muita luta.
Entre as décadas de 60 e 90, as noites e madrugadas cariocas eram regadas a muita agitação e descontração. O carioca estava aprendendo a curtir a noite, muito antes da palavra "embalo" ser substituída pela corruptela "balada". Tudo era festa, sol, praia, as boates da zona sul, os bailes da Pavuna e o angu do Gomes.
Pra situar um pouco mais aqueles que não tiveram o privilégio de viver no Rio nesta época, eu diria que o angu do Gomes está para o fim de noite, assim como a lanchonete Estadão de São Paulo ou o Bate-Papinho de Campinas, estão para a madrugada paulicéia e interiorana, respectivamente.
O angu do Gomes era o regalo final dos bêbados e equilibristas.
Depois de muita cerveja, vermute, conhaque e batidas coloridas, o consolo final se dava mesmo num profundo, quente, recheado e metálico prato de angu.
O angu do Gomes.
A receita, dizem, era de Manoel Gomes, pai de João Gomes, a quem coube dominar a técnica e expandir o negócio. Diz ainda a lenda, que no auge do negócio, em meados de 1980, eles chegaram a ter mais de 500 quiosques de angu espalhados do Leme ao Pontal.
Isto sem contar o célebre restaurante Galeto 183, no Centro do Rio, que durante muito tempo foi reduto dileto e predileto do clã Gomes.
Funcionava mais ou menos assim: toda a energia gasta com a dança, o canto, o sexo e a metabolização do álcool ingerido, era reposta através de porções generosas do angu do Gomes.
Nossa juventude era um grande prato de angu !
Famosos (como Tom Jobim, Ruy Castro e Evandro Mesquita) e anônimos como eu e minha turma de pobres felizes, frequentavam assíduamente os quiosques do Gomes, em busca da fiel reparação e recuperação da vitalidade.
Depois era só recomeçar, tudo de novo.
O negócio prosperou e em 77, um restaurante foi inaugurado como base dos quiosques.
Mas na década de 1980, a crise e o advento das redes de fast food trouxeram grande impacto ao negócio.
O carioca, que já conhecia o Bob´s, se rendeu às cores do McDonald's. O angu ficou no prato.
Em 1995, o
angu do Gomes fechou as portas e recolheu os pratos.
Um infarto fulminante, aos 77 anos, levou João para as cozinhas do paraíso. Pobre, esquecido e endividado.
Ainda nos anos 90 um neto e alguns amigos tentam reinaugurar o negócio, reabrindo o restaurante da Praça Mauá.
A receita, dizem, era a mesma, mas todos nós já tinhamos passado do ponto.
Melhor guardar na memória.
GM