Neste dia inesquecível estavam, lá no céu dos justos e inteligentes, Chico Anysio, Millôr Fernandes e Joelmir Beting se divertindo às custas de uma jogatina pacífica e sonolenta.
Era um misto de bacará com sueca, típico jogo das noites de beco da Lapa.
Ocorre que estavam em três, e jogatina de cartas se calha melhor com quatro na linha. Quatro na linha e nenhum no gol, pois craque feito nas letras e nas ruas, que se preze, só joga no ataque.
O estranho é que a mesa que dividia e juntava ao mesmo tempo os tres desencarnados amigos era pontuda. Pontuda, bicuda, sisuda e triangular. A pobre coitada, provavelmente, nunca fôra levada a passear uns dias em Brasília, posto que se tivesse ido, voltaria redonda.
Niemeyer foi então se achegando de mansinho. Com passos lentos e precisos, marcados na cadência de respeitáveis 104 primaveras, encostou no ombro de Millôr, que assobiou em resposta:
- Demorou, meu velho ! E logo agora que eu estava ganhando ! Trouxe o projeto ?
Do bolso de sua túnica branca, única e radiante, tirou um arrazoado de idéias gentis, traduzidas em traços leves e equilibrados. Tal qual a mãe natureza faria.
- É esse o projeto ? Foi o Oscar que o fez ? Desdenhou o velho Beting, com ares de provocação inteligente.
- Fiz não...só estava no meu bolso.
Uma resposta proferida em meia boca e com palavras inteiras.
O projeto foi para a mesa, e a mesa ficou redonda. Os traços do paraíso também se arredondaram. E assim como na Terra, esse paraíso nunca mais foi o mesmo. Ficou muito melhor, como melhor também seria uma Brasília desabitada de políticos corruptos.
Nosso planeta era diferente antes da passagem de Niemeyer. Era mais feio, mais duro e mais frio.
O velho Oscar arredondou nossas vidas, e construiu a mais importante obra arquitetônica da história de nosso mundinho pequeno.
Lá em cima, a velha mesa de carteado, agora suave, equilibrada, ousada e perfeita, agradou a todos.
Exceto ao velho Millôr, que é muito mau humorado.
Pergunte ao Jaguar.
GM
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