sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Disco é cultura...lembranças disponíveis também em Musicassete

Mais de dois anos. Foi o tempo que demorei para criar coragem e começar a folhear a coleção de LP´s que Arlindo me deu.
Mais de dois anos de covardia. Com medo das coisas que ficaram, e que as vezes, em apinéias noturnas, assustadoras, me reassolam. Tiram-me o ar dos pulmões e me preenchem de pânico e dor.
"Perto da minha casa havia um bosque, que um muro alto proibia...", Chico, avassalador, me arrebata de primeira, logo no primeiro disco que pego para desempoerar. Um prensagem de 74. Uma virada.
Segui em frente organizando, redescobrindo e me reencantando. Me emocionei com a redescoberta, em vinil, da obra-prima em homenagem a Vinicius, póstuma gentileza, mas com depoimentos de todos que eram um pouco Vinícius também, e com Van Gogh de Rubem Braga. Redescobri o poema "O Haver", musicado por Edu Lobo, se não me engano.
E foi assim, arrumando e empilhando os discos que descobri dois, deste filho instrutivo de Fernando Lobo, autografados firmemente por uma Bic nervosa, reliquiamente bem conservados, com a grafia orginal dos dedos de Edu Lobo. Um presente.
Como aquele que Arlindo dedica, na capa do disco, a Sérgio, seu irmão doze anos mais velho, e filho da mesma Joaquina que me criou e me fez forte. Um gene português que se verteu em emoção quando escreveu na obra do maestro Don Costa: "Ao mano Sérgio, pelo transcurso de seu 31º aniversário." Era 1967.
Reconheci a grafia dele na hora. Uma letra forte e bela. Confusa como seu signatário. Um Arlindo audaz e dono de toda inteligência e cultura do mundo, mas infeliz como a codorna que voa baixo. Herdeiro daquela tristeza lisboeta de quem partiu pra longe. Seus olhos estavam sempre perdidos, me lembro, na escuridão da sala, apenas da brasa de seu cigarro e da música solitária no stereofônico.
Não dá pra congelar o tempo Arlindo, mas sim é possível descongelar a partida.
Chorei muito. Chorei feio. Solucei e perdi o ar. Entrei em pânico. Fiquei com medo de morrer ali mesmo, com os discos nas mãos e as lembranças nos olhos. Estava só em casa. Adri, longe, com Víctor na cidade. A casa só minha e sozinha, seria um túmulo incauto.

Resolvi e engoli aquele medo. Eram só lembranças.

Quando herdei a coleção de discos sabia da responsabilidade de mantê-los e da dificuldade de encará-los. Tudo viria a tona. Como veio.
Me refiz com meia garrafa de bourbon. Sorri amarelo quando minha mulher chegou. Só parei de tremer uma hora depois, debaixo do chuveiro. Disfarçando as lágrimas com a água encanada.
Era isso.

GM

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