quarta-feira, 15 de junho de 2011

Era Primavera em Praga, enquanto alguém amava os Beatles e os Rolling Stones


Um menino qualquer.

Que provavelmente nasceu no fim da década de 50 ou início da de 60. Filho de pais que ouviam alguma música.

Algo de Glenn Miller e Count Basie, algo dançante como a boa e velha Tabajara, de Severino Araújo.

Um moleque que se tornou jovem em meio a uma atmosfera diferente, libertária, libertina, deixando o cabelo crescer, frequentando bares e fazendo amor com meninas de saias curtas e pernas bonitas.

Um jovem que viu de longe o homem pousar na lua, as mulheres desnudarem os seios em Woodstock, a guitarra ganhar tons distorcidos nas mãos endiabradas de Hendrix, Page e Clapton.

Aprendeu muito com o que viu nas imagens da TV, do cinema e em coloridas revistas semanais.

Cantou muito do que ouviu nas rádios, nos bares e cabarés.

Um moço como outro igual, sendo por isso mesmo desigualmente único.

Poderia falar inglês, francês, espanhol ou até português. Viveria na América certamente, mas sonharia com os castelos distantes da Europa, envoltos em neblinas e enigmas da história.

Esse jovem certamente se tornaria um adulto, coadjuvando com mudanças políticas, quebras de fronteiras e alterações em mapas e ideologias.

Não esteve em Praga em 1968, mas soube o que aquela primavera representou.

Não esteve em São Francisco e 1969, mas soube bem o que foi o verão do amor.

Não morava em Ipanema em 1962, mas entendeu a grandeza da bossa nova e da poesia de Vinícius.

Esse já, crescido, feito homem, adulto, aprendeu a ouvir a boa música em discos de vinil, que rodavam em Grundigs, Philcos, Telefunkens, GE’s e Sonatas.

Na fuga coerente que o cinema proporcionava, aprendeu a entender Fellini e Godard, Glauber e Antonioni. Provavelmente emocionou-se com eles e depois os esqueceu completamente, abrindo espaço em sua mente para Spielberg, Altman e Coppola.

Sendo um ser humano normal, mergulhou fundo na busca por dinheiro, status e algum poder.

Jogou fora os votos de “não envelhecer jamais”, aprendidos com Janis Joplin e Caetano Veloso.

Seguiu em frente usando terno e gravata.

Esse ser humano, um senhor de meia idade. Hoje teria uma família, alguns filhos ou não, algum grisalho na cabeça, ou não.

Vez por outra tiraria da estante alguns bons discos, de boa música de outras eras. Abriria uma garrafa de vinho e num abraço forte, diria ao filho que vivesse sua vida intensamente, seus dias de hoje, pois o presente é o tempo mais importante e o que conta é o que se faz agora.

Emocionados, com gestos carinhosos trocados entre pai e filho, falariam com alegria das coisas que importam e de como é bom estar em casa, no aconchego, com todos.

Ouviriam boa música e conversariam sobre amenidades divertidas.

Sua vida seguiria assim, como um roteiro a ser escrito e uma estória a ser filmada.

Morreria um dia, este normal homem pequeno, certamente feliz por ter vivido seus dias com alguma dignidade e com muito amor.

Seus filhos ou filhas teriam lembranças alegres dos momentos únicos, das trocas honestas e verdadeiras e se recordariam com carinho das tardes que passavam juntos, sentados no chão, bebendo um bom vinho, sorrindo bastante e ouvindo os Beatles e os Rolling Stones.

GM

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