quinta-feira, 11 de junho de 2009

De quando encontrei Villas nos Sertões

Naquele dia estávamos indo de carro, pela rodovia Santos Dumont, desde Itu até Campinas. Adri havia marcado um almoço com meu sogro e sogra, em um restaurante de um dos shoppings da cidade.
No caminho, dirigindo e ouvindo música, falamos de trivialidades e de coisas de casal. Víctor, atrás, dormia solenemente, embalado pelo balancê do carro em movimento.
Falamos de muitas coisas normais e algumas anormais, a conversa foi se achegando, de remanso, a um tema que é central para nós dois: literatura brasileira.
Lembro-me de ter trocado idéias vagas sobre Guimarães Rosa, mas, depois, a conversa fixou-se em Euclides da Cunha, não sei bem o porquê. Ainda dirigindo e ouvindo Cartola no CD player do carro, disse a ela que nunca, antes, lera Os Sertões e que considerava este texto muito denso e descritivo.
Surpresa paralisante. Adri, uma professora de literatura apaixonada pelo cheiro das letras brasileiras, arregalou os olhos assim, bem no estilo Bela Lugosi, e sentenciou: - Que pobreza !
Conversamos mais e mais. Ela tentava me convencer a encarar o desafio, quase um exílio literário; eu, pra desconversar, tentava achar "A Vida é um Moinho", no CD que tocava.
Chegamos. Depois de quatro voltas no estacionamento do shopping, conseguimos uma vaga para nosso carrinho médio. Encontramos Sherlock e Dª Maria, já nas imediações do restaurante. Sherlock trazia em embrulho enigmático nas mãos. Finamente embrulhado, presenteou-me com um exemplar de Os Sertões. Olhei rápido para Adri. Sacanagem. Teria ela assuntado Euclidianamente durante a viagem, de propósito ? Seria uma conspiração entre pai e filha, ou um caso bizarro de mediunidade literária ?
Prefiri ignorar a origem e aceitar, feliz e de bom grado, o presente, mas antes, exigi uma dedicatória.
"Ao quarto filho". Essas palavras, escritas numa caligrafia sexagenária e repleta de conteúdo, me emocionaram. Sempre admirei Sherlock, meu sogro, mas agora sua letra fôra fundo demais.
Agradeci comovido.
Era um belo exemplar de Os Sertões. Uma parceria entre o Leopoldo Bernucci, o Ateliê Editorial e a Imprensa Oficial de São Paulo. Um compêndio de história literária (ou literatura histórica, como queiram) com intensas 926 páginas.
Iniciei a leitura imediatamente, no mesmo dia. Avancei com dificuldade pelo labirinto linguístico que é o vocabulário Euclidiano. Morri na página 143. Na boca do sertão baiano e do sertanejo incauto, que de certo me olhava e ria, sem muito medo.
Segui margeando o texto e parei novamente. Era preciso ser um forte, como eles, para avançar no cerrado realista de Euclides. Puro Realismo.
Entre uma página e outra de Os Sertões, distraidamente, abri as formas de outro livro...comprei na La Selva do aeroporto de Congonhas o "Admirável Mundo Velho", livro do Alberto Villas, o bom mineiro.
Enquanto esperava meu vôo para Navegantes, comecei a ler esse livro, bem displicentemente, quase com quem lê O Pasquim.
Uma delícia da editora Globo, que custa menos que meia dúzia de cervejas. Uma redondilha de histórias de antigamente, com as falas, as gírias e as figuras de linguagem de antigamente. Sensacional ! Supimpa ! Batata !
Crônicas leves e saborosas, mesmices do dia-a-dia recontadas magicamente pela pena de um mineiro talentoso e saudoso. Ah...que falta estava me fazendo este livro e eu nem sabia.
A geração de hoje, webcinética, muitas vezes, mais por fora que umbigo de vedete, pegaria o bonde andando mil vezes, antes de dar com os burros n'água e perceber que o leite já está todo derramado.
Ao velho Villas, obrigado ! E pensar que te encontrei no meio do sertão baiano, bem no caminho de Navegantes. Que viagem !
Putz...como é mineiro viver !

Vamos em frente !

GM

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