Naquele dia estávamos indo de carro, pela rodovia Santos Dumont, desde Itu até Campinas. Adri havia marcado um almoço com meu sogro e sogra, em um restaurante de um dos shoppings da cidade.
No caminho, dirigindo e ouvindo música, falamos de trivialidades e de coisas de casal. Víctor, atrás, dormia solenemente, embalado pelo balancê do carro em movimento.
Falamos de muitas coisas normais e algumas anormais, a conversa foi se achegando, de remanso, a um tema que é central para nós dois: literatura brasileira.
Lembro-me de ter trocado idéias vagas sobre Guimarães Rosa, mas, depois, a conversa fixou-se em Euclides da Cunha, não sei bem o porquê. Ainda dirigindo e ouvindo Cartola no CD player do carro, disse a ela que nunca, antes, lera Os Sertões e que considerava este texto muito denso e descritivo.
Surpresa paralisante. Adri, uma professora de literatura apaixonada pelo cheiro das letras brasileiras, arregalou os olhos assim, bem no estilo Bela Lugosi, e sentenciou: - Que pobreza !
Conversamos mais e mais. Ela tentava me convencer a encarar o desafio, quase um exílio literário; eu, pra desconversar, tentava achar "A Vida é um Moinho", no CD que tocava.
Chegamos. Depois de quatro voltas no estacionamento do shopping, conseguimos uma vaga para nosso carrinho médio. Encontramos Sherlock e Dª Maria, já nas imediações do restaurante. Sherlock trazia em embrulho enigmático nas mãos. Finamente embrulhado, presenteou-me com um exemplar de Os Sertões. Olhei rápido para Adri. Sacanagem. Teria ela assuntado Euclidianamente durante a viagem, de propósito ? Seria uma conspiração entre pai e filha, ou um caso bizarro de mediunidade literária ?
Prefiri ignorar a origem e aceitar, feliz e de bom grado, o presente, mas antes, exigi uma dedicatória.
"Ao quarto filho". Essas palavras, escritas numa caligrafia sexagenária e repleta de conteúdo, me emocionaram. Sempre admirei Sherlock, meu sogro, mas agora sua letra fôra fundo demais.
Agradeci comovido.
Era um belo exemplar de Os Sertões. Uma parceria entre o Leopoldo Bernucci, o Ateliê Editorial e a Imprensa Oficial de São Paulo. Um compêndio de história literária (ou literatura histórica, como queiram) com intensas 926 páginas.
Iniciei a leitura imediatamente, no mesmo dia. Avancei com dificuldade pelo labirinto linguístico que é o vocabulário Euclidiano. Morri na página 143. Na boca do sertão baiano e do sertanejo incauto, que de certo me olhava e ria, sem muito medo.
Segui margeando o texto e parei novamente. Era preciso ser um forte, como eles, para avançar no cerrado realista de Euclides. Puro Realismo.
Entre uma página e outra de Os Sertões, distraidamente, abri as formas de outro livro...comprei na La Selva do aeroporto de Congonhas o "Admirável Mundo Velho", livro do Alberto Villas, o bom mineiro.
Enquanto esperava meu vôo para Navegantes, comecei a ler esse livro, bem displicentemente, quase com quem lê O Pasquim.
Uma delícia da editora Globo, que custa menos que meia dúzia de cervejas. Uma redondilha de histórias de antigamente, com as falas, as gírias e as figuras de linguagem de antigamente. Sensacional ! Supimpa ! Batata !
Crônicas leves e saborosas, mesmices do dia-a-dia recontadas magicamente pela pena de um mineiro talentoso e saudoso. Ah...que falta estava me fazendo este livro e eu nem sabia.
A geração de hoje, webcinética, muitas vezes, mais por fora que umbigo de vedete, pegaria o bonde andando mil vezes, antes de dar com os burros n'água e perceber que o leite já está todo derramado.
Ao velho Villas, obrigado ! E pensar que te encontrei no meio do sertão baiano, bem no caminho de Navegantes. Que viagem !
Vamos em frente !
GM
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